TEXTO DE MÁRCIO GUIMARÃES
Cenário: Sala de interrogatório composto por uma cadeira no centro do palco. Há um foco na cadeira, a iluminação é baixa.
Entra Stefany, é um travesti; tem 27 anos, magra, cabelos curtos – não está de peruca; tem a maquiagem carregada, usa um shorts muito curtos onde vê-se metade das nádegas, uma regata Pink; usa muitos adereços, colares, anéis e está descalça. Parece perdida olhando para todos os lados; do bolso ela tira um maço de cigarros, pega um, acende e começa a fumar. Ela encara a platéia, vai até a cadeira sentando-se sobre ela. Dá mais uma tragada.
STEFANY – (falando sempre para platéia)
Posso fumar aqui dentro? (Pausa) Ótimo (Pausa, dá mais uma tragada no cigarro) Meu nome? Stefany... (Nervosa) Já disse porra! Meu nome é Stefany! Stefany das noites, das ruas... Pomba-Gira Cigana! (Pausa) Do que você está rindo? Tenho cara de palhaço por acaso? De algum animal de zoológico exposto na jaula? Sou igual a você... (ri) Só que um pouco melhor, é claro... (Fica de pé, virando-se de costas mostrando-lhes a bunda) Tá vendo isso aqui? Essa bunda gostosa, muitos já navegaram nesse Mar... Nesse Mar misterioso... Tá, quando você vai acabar com isso? (Pausa, olha para as unhas) Ai merda, o que você quer saber? (levantando-se) Mas que droga! Quebrei minha unha e agora o que eu faço? Por acaso você não teria nenhuma lixa por aí, teria? Ah não, não precisa, meu canivete... (Tira um alicate do bolso) Mil e uma utilidades meu bem. (Pausa, começa a lixar a unha) O quê? Esse canivete?... Ando com ele vinte e quatro horas por dia, nunca se sabe quando você vai precisar não é? Tá bom sem estresse já vou te entregar... Ai caralho! Viu o que você fez? (Leva o dedo na boca) Furei meu dedo... (Olha para o dedo furado) É bonito não é? (Pausa) A cor vermelha, a cor do sangue... o cheiro, (Passa o dedo nos lábios) o gosto... (Mudando o tom) Já vai me levar?... Que saco hein; está certo eu vou contar tudo. (Levanta-se novamente e acendo outro cigarro) Minha mãe nasceu em Pernambuco, teve muitas dificuldades, (Fria) passou fome, morava num bando de sem-terras. Aos dezenove anos veio para São Paulo, essa cidade sombria... escura. (Pausa) Se chamava Maria, do desgosto, da hipocrisia... (Pausa) Já em São Paulo conheceu Olavo... Desgraçado! (Rindo irônica) Meu querido pai... (Apaga o cigarro com raiva) Traficante filho da puta! Esse é meu pai. Ele a engravida... e some. Assim, como se nada tivesse acontecido... Nunca vi o rosto dele, só por foto, rosto monstruoso. (Pausa) Minha mãe para me sustentar, continuou no trafico. Mas tinha dificuldades... As dividas foram crescendo cada vez mais. (Muda o tom) Ela já estava desesperada, sem saber o que fazer... (Pausa) Foi assassinada com dois tiros na cabeça... acerto de contas, e eu vi tudo... O cérebro saindo pelo crânio. Tinha doze anos, cresci sozinho... a rua foi minha escola, minha família. (Pausa, começa a rir) Eu era diferente dos outros garotos, percebi que gostava de pinto... (Rindo) De dar a bunda! (Pausa, muda o tom) Mas eu era violentada, fui estuprada muitas vezes... Com doze anos eu já tinha o meu ponto. (Pausa longa) Você acha que eu gosto de fazer programa?... Não, não gosto! Mas tenho que fazer...Gordos, magros, sujos, eu vou com todos... Muitas vezes tenho que correr desesperada, por que alguns filhos da puta, playboys, filhinhos de papai, sai pelas ruas nos espancando... Desgraçados! Mas um dia vocês vão pagar... e como vão. (Pausa) Cada um tem a sua vida e faz dela o que bem entender, se dou o rabo o problema é meu! (Pausa) Você ri... mas vocês Policiais também já me comeram, também já me bateram, me agrediram como se eu fosse um animal. (Pausa, gargalhando) Um dia todos se vingam... Todos! Eu me vinguei... e como. Você quer saber a história? (Pega o alicate) Pois ela já está terminando. (De pé) Estava no meu ponto e um cara asqueroso chegou... “O programa? Trinta Reais”, eu disse. (Pausa) Fomos para o carro dele... ele abusou de mim, me bateu... me chamou constantemente de viado, de bicha... Meu sangue ferveu, nunca tinha me sentido assim... (Pausa, acendo mais um cigarro) Peguei a faca do meu canivete... (Pega o canivete, limpa a lamina ainda suja) Acertei o peito dele, fui descendo com a lamina até o umbigo rasgando o seu tórax... E ele olhava nos meus olhos, no fundo dos meus olhos. (Pausa) O carro ficou com muito sangue... vermelho (Sorri). Aproveitei para pegar o dinheiro da carteira, por que querendo ou não ele ainda estava me devendo... Abri, olhei seu RG... Aquela foto antiga não me era estranha, já tinha visto aquele rosto antes... (Pausa longa) Droga de vida! (Apaga o cigarro) O nome dele... era Olavo. (Black-out).
FIM
Amei Marcio...muito bom estas cenas que vc escreve são ótimas...já foram encenadas? Deveriam!
ResponderExcluirAcordei hj sonhando com a bomba gira estfania que ela ta andano comigo e vi ela
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