Antunes Filho

Antunes Filho
Antigona

sexta-feira, dezembro 16

VIAJANDO AO FIM DO TEMPO

















(Márcio Guimarães)

HOMEM 1 – Dia, noite, meses, anos, dia, noite, meses, anos, dia, noite, meses, anos, dia, noite...


HOMEM 2 – Alô... Sei que estou atrasado, tive alguns problemas aqui em casa, mas já estou indo. Claro, diga que a reunião atrasará um pouco. Não, não é nada grave, é só minha esposa... Já sim tudo pronto pra viagem.


HOMEM 1 – Estou nesse lugar sombrio, minha alma é sombria... Tenho que aprender a recomeçar... Tudo tem o seu tempo, mas que tempo?


HOMEM 2 – Que inferno de vida! Ela não entende, eu preciso desse emprego, minha carreira depende disso... Dei minha vida para estar aqui. Nada vai me atrapalhar agora. Nada.


HOMEM 1 – Não pertencia mais ao mundo real, vivia correndo de um lado para o outro. Deixa tudo para trás, lazer, amigos... Família.


HOMEM 2 – Já fez minhas malas querida? Estou atrasado – Ela está com uma enorme raiva no olhar, suas mãos tremem, ela não aceita minha viagem de última hora. Discutimos muito nesse dia, ela jogou conta parede, um lindo vaso de cristal que ganhamos de casamento. Meu casamento está uma merda!


HOMEM 1 – Tudo tinha que estar pronto na hora em que eu quisesse. (Pausa) Queria fugir! As árvores... Sinto saudades das árvores... A semente caindo abraçando a terra, a chuva alimentando seu corpo e uma vida nascendo... As raízes forçam e se entrelaçam, os galhos, as folhas, as flores, os frutos, os ninhos, os pássaros... Mas isso leva tempo e tempo é dinheiro.


HOMEM 2 – Já era noite e todos dormiam, já não há dialogo. Pelas manhãs, brigas, estresse, ela diz que eu não pertenço mais a família e a noite, silêncio.


HOMEM 1 – Ela me chamava de mágico, dizia que com o meu chapéu podia usar de artifícios, tirar dentro dele surpresas, desculpas, inventar histórias para assim explicar minha ausência. (Pausa) Meu filho me chamava de mágico. Eu adorava.


HOMEM 2 – Já está refletindo no meu filho, ele chora todos os dias... Prometi levá-lo ao parque de diversões. Estou sem tempo. Ele é um anjo, mas outro dia recebi uma ligação da escola dizendo que ele está fazendo algumas birras, a diretora disse que ele quebrou todos os vidros da sala de aula enquanto todos estavam no recreio. Não consegui ir ao colégio para conversar, mas acho que minha esposa foi. Minha esposa como sempre começou a gritar pela manhã.


HOMEM 1 – Tentava acalmá-la, explicava a situação, ela não entendia... É difícil quando nos sentimos abandonados.


HOMEM 2 – Claro chefe, todos os relatórios já estão prontos. Sim, já comprei as passagens será no vôo das dezoito.


HOMEM 1 – Era o aniversário dela. Fui, mas meu coração estava angustiado, tive vontade de chorar, mas segurei o choro.


HOMEM 2 – O avião está lotado, empresários, notebooks, celulares... A noite está chuvosa, muitas turbulências, recebi uma mensagem no celular. – Nossa história acabou.

HOMEM 1 – Não sei como cheguei aqui.

HOMEM 2 – Ouvi barulhos, gente gritando, uma sensação ruim.

HOMEM 1 – Aqui o tempo demora a passar.

HOMEM 2 – Eu te amo.

HOMEM 1 – Dia, noite, meses, anos, dia, noite, meses, anos, dia, noite, meses, anos, dia, noite...



quarta-feira, novembro 30

CHICO




"Ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo,
Mas qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim".

CHICO XAVIER



segunda-feira, julho 11

DIA DE SUÍCIDIO



Márcio Guimarães





Cor vermelha. Piso frio – a Morte na janela. Acordei. Tinha certeza que hoje seria o dia. Olhei para o teto, segui com o olhar as rachaduras que vinham até a janela. Estava aberta. O sol nascia fazendo uma insuportável claridade. Estava lá diante dos meus olhos – me esperando. Um medo inexorável me cortou a alma, uma angustia interminável envolvia-me todo o corpo. Era uma imagem horripilante e medonha. Parecia que o mundo tinha parado, que todo o resto tinha parado; ninguém na rua, nenhum barulho – apenas um silêncio nostálgico. Olhava-me profundamente. Era um pássaro negro, pousou sobre a janela e olhava-me. Profundamente. Muitas coisas vieram em minha mente: Minha infância solitária, as falsas amizades que construí, o tempo que desperdicei com coisas inúteis, os personagens que criei, o amor que tanto lutei; meu fiel Rex, as telas que nunca terminei – minha família. Todos juntos num redemoinho de sentimentos. Tive náuseas. Voltei à realidade e ainda estava lá. O pássaro. Minhas mãos estavam geladas, escorregadias; meus braços doíam, meus ombros, como se carregasse alguém sobre eles. Uma Cruz. Levantei-me, o chão estava escorregadio – frio. O que estava espalhado pelo piso era vermelho e espesso. Não consegui sustentar-me. Caí. Fiquei por longos segundos encarando o pássaro. Meus pulsos doíam. Olhei para o teto e para as rachaduras. Tudo foi ficando escuro. Nada mais restava – nem o amor, nem a esperança; apenas a Morte na janela. Vendo a cor vermelha – no piso frio.

FIM



















A peça terminou,

as cortinas se fecharam
todos se foram...
A luz está apagada
há apenas o silencio.
Cadeiras vazias,
a sala vazia...
e num canto solitaria,
a protagonista observa
cada espaço antes ocupado.
O palco? Seu coração.
O drama encenado?
Sua propria paixão.





(Texto escrito por minha amiga: Luna - http://lua-di-sangue.blogspot.com/ - Fotografia do meu amigo: Bruno Vecchiato)

domingo, julho 3

Ela está Aqui



MÁRCIO GUIMARÃES



Tenho medo desta alegria repentina. Deste sentimento bom que conforta o meu ser fazendo-me transcender a alma – por que eu sei, ela vai chegar. Mais cedo ou mais tarde. Ela grita em meus olhos e ecoa em meus sentidos. Mas estou bem. Sim, estou bem – estou bem?! Tento camuflar e ela grita – grita das profundezas. Não há pressa. Ela espera o momento exato para entoar suas fúnebres canções de Outono – canções anacrônicas. Tento subir uma escada com falsos degraus. Uma escada em espiral feita do ébano. Chego ao Paraíso. Mas nele não há anjos. Festejo, canto, choro, bebo, percebo, trabalho, como, danço – Amo. Ela está Aqui. Eu sei que está. Está a minha espera, num deslize emocional ela agarra minhas pernas e puxa-me escada abaixo. E assim chego ao limo da minha existência. É frio e escuro neste lugar. Não há janelas – apenas mofo pelas paredes rachadas.




sábado, junho 4

QUEM SOU EU?

















MÁRCIO GUIMARÃES



Quem sou eu?
Sou irracional que para
Fazer o mal vivo.

Quem sou eu?
Sou serpente que rasteja
Entre os miseráveis.

Quem sou eu?
Sou vampiro da meia noite
Que suga o seu sono.

Quem sou eu?
Sou aquele que finge de amigo
E te apunhalo pelas costas.

Quem sou eu?
Sou o galho seco,
A fome, a sede...

Quem sou eu?
Sou o frio dos mendigos
E o calor do nordeste

Quem sou eu?
Sou à beira do abismo
E o prato raso sem comida.

Quem sou eu?
Sou aquele que promete
Mas não cumpre.

Quem sou eu?
Sou aquele que rasga o dinheiro
Mas não te ajuda.

Quem sou eu?
Sou aquele que ri
Quando você sai.

Quem sou eu?
Sou a voz que manda e você obedece
Em troca de comida.

Quem sou eu?
Sou corrupto...

Quem sou eu?
Sou ladrão...

Quem sou eu?
Sou político.

CORES QUE ESCONDEM





















MÁRCIO GUIMARÃES



O que esconde atrás das tintas?
Esboço, traços de alegria.
O que esconde atrás das cores?
Um arco-íris em preto e branco
Com texturas cinza.
Seu rosto tracejado,
Seu rosto colorido
Nos encantam.
Eterna criança vivida,
Que não cansa e trabalha
Em seu casulo escuro.


Depois de alegrar,
Depois de apresentar
Sua festa colorida.
Num camarim alegre,
Tira sua mascara pintada.
Surge o outro ser,
O ser desanimado.
Não suporta risos
Mas faz rir.
Guarda os sonhos
E as roupas coloridas.


Indo a edifícios negros
Num tempo nublado,
A lona caindo, o circo fechando,
Dia após dia,
Um novo martírio.
Pinta o rosto de risos,
Escondendo a solidão.
No picadeiro encena,
Aquilo que finge ter,
Alegria, risos...
Sem vontade de viver.



MÃOS


















MÁRCIO GUIMARÃES


Mãos sofridas, mãos sujas.
Não de sangue, mas de terra.
Mãos escravas, mãos vividas.


Num aceno, um adeus.
Enxuga as lágrimas,
Uma saudade de amar.


Liberdade, igualdade.
Sonhos na prisão,
Sujeira e solidão,
Marcas escritas
Com correntes
Em suas mãos.


Quebrem as correntes
Com mãos de alegria.
Mãos pintadas,
Mãos que fazem rir
E emocionam.
Mãos de palhaço.

ELEMENTOS DO AMOR
















MÁRCIO GUIMARÃES







Para quê o sol se eu não te tenho?


Ele nem aquece minha dor.


Para quê a chuva se eu não te tenho?


Ela não lava minha alma.


Para que o ar se eu não te tenho?


Nele nem posso voar.


Para quê viver nesse mundo, se eu não te tenho?


Ele é apenas imaginário, como um sonho ruim.






Com você nem precisaria do sol.


Você é minha luz.


Nem da chuva.


Você é minha fortaleza.


Nem do ar.


Por que você é tudo.


Nem do mundo, pois com você


Seria completo.

domingo, maio 29

STEFANY







TEXTO DE MÁRCIO GUIMARÃES





Cenário: Sala de interrogatório composto por uma cadeira no centro do palco. Há um foco na cadeira, a iluminação é baixa.

Entra Stefany, é um travesti; tem 27 anos, magra, cabelos curtos – não está de peruca; tem a maquiagem carregada, usa um shorts muito curtos onde vê-se metade das nádegas, uma regata Pink; usa muitos adereços, colares, anéis e está descalça. Parece perdida olhando para todos os lados; do bolso ela tira um maço de cigarros, pega um, acende e começa a fumar. Ela encara a platéia, vai até a cadeira sentando-se sobre ela. Dá mais uma tragada.

STEFANY – (falando sempre para platéia)

Posso fumar aqui dentro? (Pausa) Ótimo (Pausa, dá mais uma tragada no cigarro) Meu nome? Stefany... (Nervosa) Já disse porra! Meu nome é Stefany! Stefany das noites, das ruas... Pomba-Gira Cigana! (Pausa) Do que você está rindo? Tenho cara de palhaço por acaso? De algum animal de zoológico exposto na jaula? Sou igual a você... (ri) Só que um pouco melhor, é claro... (Fica de pé, virando-se de costas mostrando-lhes a bunda) Tá vendo isso aqui? Essa bunda gostosa, muitos já navegaram nesse Mar... Nesse Mar misterioso... Tá, quando você vai acabar com isso? (Pausa, olha para as unhas) Ai merda, o que você quer saber? (levantando-se) Mas que droga! Quebrei minha unha e agora o que eu faço? Por acaso você não teria nenhuma lixa por aí, teria? Ah não, não precisa, meu canivete... (Tira um alicate do bolso) Mil e uma utilidades meu bem. (Pausa, começa a lixar a unha) O quê? Esse canivete?... Ando com ele vinte e quatro horas por dia, nunca se sabe quando você vai precisar não é? Tá bom sem estresse já vou te entregar... Ai caralho! Viu o que você fez? (Leva o dedo na boca) Furei meu dedo... (Olha para o dedo furado) É bonito não é? (Pausa) A cor vermelha, a cor do sangue... o cheiro, (Passa o dedo nos lábios) o gosto... (Mudando o tom) Já vai me levar?... Que saco hein; está certo eu vou contar tudo. (Levanta-se novamente e acendo outro cigarro) Minha mãe nasceu em Pernambuco, teve muitas dificuldades, (Fria) passou fome, morava num bando de sem-terras. Aos dezenove anos veio para São Paulo, essa cidade sombria... escura. (Pausa) Se chamava Maria, do desgosto, da hipocrisia... (Pausa) Já em São Paulo conheceu Olavo... Desgraçado! (Rindo irônica) Meu querido pai... (Apaga o cigarro com raiva) Traficante filho da puta! Esse é meu pai. Ele a engravida... e some. Assim, como se nada tivesse acontecido... Nunca vi o rosto dele, só por foto, rosto monstruoso. (Pausa) Minha mãe para me sustentar, continuou no trafico. Mas tinha dificuldades... As dividas foram crescendo cada vez mais. (Muda o tom) Ela já estava desesperada, sem saber o que fazer... (Pausa) Foi assassinada com dois tiros na cabeça... acerto de contas, e eu vi tudo... O cérebro saindo pelo crânio. Tinha doze anos, cresci sozinho... a rua foi minha escola, minha família. (Pausa, começa a rir) Eu era diferente dos outros garotos, percebi que gostava de pinto... (Rindo) De dar a bunda! (Pausa, muda o tom) Mas eu era violentada, fui estuprada muitas vezes... Com doze anos eu já tinha o meu ponto. (Pausa longa) Você acha que eu gosto de fazer programa?... Não, não gosto! Mas tenho que fazer...Gordos, magros, sujos, eu vou com todos... Muitas vezes tenho que correr desesperada, por que alguns filhos da puta, playboys, filhinhos de papai, sai pelas ruas nos espancando... Desgraçados! Mas um dia vocês vão pagar... e como vão. (Pausa) Cada um tem a sua vida e faz dela o que bem entender, se dou o rabo o problema é meu! (Pausa) Você ri... mas vocês Policiais também já me comeram, também já me bateram, me agrediram como se eu fosse um animal. (Pausa, gargalhando) Um dia todos se vingam... Todos! Eu me vinguei... e como. Você quer saber a história? (Pega o alicate) Pois ela já está terminando. (De pé) Estava no meu ponto e um cara asqueroso chegou... “O programa? Trinta Reais”, eu disse. (Pausa) Fomos para o carro dele... ele abusou de mim, me bateu... me chamou constantemente de viado, de bicha... Meu sangue ferveu, nunca tinha me sentido assim... (Pausa, acendo mais um cigarro) Peguei a faca do meu canivete... (Pega o canivete, limpa a lamina ainda suja) Acertei o peito dele, fui descendo com a lamina até o umbigo rasgando o seu tórax... E ele olhava nos meus olhos, no fundo dos meus olhos. (Pausa) O carro ficou com muito sangue... vermelho (Sorri). Aproveitei para pegar o dinheiro da carteira, por que querendo ou não ele ainda estava me devendo... Abri, olhei seu RG... Aquela foto antiga não me era estranha, já tinha visto aquele rosto antes... (Pausa longa) Droga de vida! (Apaga o cigarro) O nome dele... era Olavo. (Black-out).


 


 



FIM


sábado, maio 28

Mar de Sonhos



Quando estou diante de ti, sinto-me sereno, sinto toda sua energia envolvendo-me por completo - sinto paz... Diante de ti já chorei, lágrimas que hoje sei que valeram apena. Confessei-te todos os meus segredos, e tu inundaste minhas palavras e levou-as para as profundezas. Escuto sua doce melodia, num ritmo que vai-e-vem, como nas ondas de emoções; és meu berço, meu tumulo, minha vida.




(Márcio Guimarães)

sexta-feira, fevereiro 25

VICIO DE AMAR (MÁRCIO GUIMARÃES)

Acendi um cigarro pela manhã e olhava para o relógio. Já esperava. Ao meio dia, em meio à dor, em meio à humilhação consumia o meu vicio, ou ele me consumia. Ansiedade. Numa nuvem de fumaça que predomina em meu ser, um nevoeiro de hipocrisia, uma volúpia ilusória confessaste os pensamentos com a Morte e eles chegaram até mim. Discórdia. Mas uma vez queimo, como queimo as falsas lembranças, queimando num inferno de areias quentes, areias de uma ampulheta com tempo desperdiçado. Queimando como a chama de um cigarro que consumo, ou ele me consome, morro aos poucos. Suicida. Suas falsas provas de carinho e a fumaça que respiro, vão ao fundo da minh’alma e destrói o que ainda resta. Ou restava – Acreditei em você.